sábado, 20 de junho de 2009

HISTÓRICO DO LICEU DE HUMANIDADES DE CAMPOS



ARQUITETURA, ESCOLA E MEMÓRIA: LICEU DE HUMANIDADES DE CAMPOS
( Resumo do Trabalho de Pesquisa dos Professores da UENF Silvia Alicia Martinez, Marcelo Carlos Gantos e Maria Amélia de Almeida Pinto Boynard)

Ícone da próspera economia rural do século XIX na região, o Solar foi construído para residência de um Barão. Em 1883 foi adquirido para que nele se instalasse o Liceu de Humanidades de Campos.
Originalmente residência do Barão e da Baronesa da Lagoa Dourada, o edifício, desde sua construção, manteve forte relação com a cidade de Campos. Atas de reuniões da Câmara Municipal apresentam pedidos do Sr. José Martins Pinheiro, o Barão, rico fazendeiro da cidade, vereador, juiz de paz e pessoa envolvida com o processo de urbanização e com outras causas sociais – haja vista que foi agraciado pelo Imperador com o título nobiliárquico por ter auxiliado, financeiramente, no envio dos “Voluntários da Pátria” à Guerra do Paraguai – de abertura de rua em frente ao prédio, considerado, à época, distante da área urbana central.
Mandado construir na parte mais alta da cidade, longe das enchentes que assolavam outros locais – por serem mais baixos e próximos do Rio Paraíba do Sul – o Solar foi percebido na cidade como majestosa, rica e moderna obra de arquitetura.
Os jornais noticiaram, à época da inauguração do palacete, ao som de música e dança, que “era o mais rico edifício e o do melhor gosto que hoje se encontra na nossa cidade e seus subúrbios”. Ali havia se instalado um aparelho que produziria gás, o que dá provas que não tinham sido poupados esforços para dotar a residência dos mais modernos avanços tecnológicos, à época.
A função “de moradia” do prédio durou pouco tempo, porém. Em 1883, após suicídio do Barão, o edifício foi levado a leilão e adquirido, pela Câmara Municipal, para ser o Liceu de Humanidades da cidade de Campos.
Em 22 de novembro de 1880 foi criado o Liceu de Humanidades de Campos, pelo Decreto Estadual n° 2503. Seu regulamento foi aprovado em 21 de outubro de 1881, sendo Presidente da Assembléia Legislativa Provincial João Marcellino de Souza Gonzaga.
“Em novembro (de 1883) já estavam angariados 14 contos para a aquisição do prédio. Uma comissão nomeada para escolher o edifício, composta do Dr. Manoel Francisco de Oliveira, Dr. Manoel Rodrigues Peixoto e comendador Antonio Manoel da Costa, preferiu o do então falecido Barão da Lagoa Dourada, sendo arrematado em praça do espólio, 12 de dezembro, pela quantia de 25 contos. Para lo9go, o Presidente da Província, José Godoy e Vasconcellos, em vista da doação feita pela Câmara Municipal de Campos, doação essa aprovada em sessão de 28 de dezembro, mandou fazer a necessária instalação.”
Enfim, em 1884, o Liceu começou a funcionar num prédio cuidadosamente escolhido para representar a importância que a educação escolar passava a ter no novo projeto de país-republicano – que seria vitorioso apenas quatro anos mais tarde. Importante ressaltar a influência de Campos na luta pela abolição do sistema escravocrata e do regime imperial no Brasil.
A mudança de função do prédio, por outro lado, implicava em modificações que o configurassem como educandário, ou seja, de prédio familiar deveria ser adaptado às novas funções. Algumas dessas modificações, não muitas, aconteceriam logo nos primeiros anos. No ano de 1886, por exemplo, foram mandadas construir ‘latrinas para os alunos e reparos das destinadas aos professores’ (Relato do Presidente da Província, 1883, p. 33). Outras iriam ocorrer posteriormente, com a criação da Escola Normal e da Escola Modelo e com a expansão da escolarização pública a partir dos anos 1960.
As condições climáticas da cidade também determinaram alguns cuidados tomados, à época, seguindo conceitos ‘científicos’. Os preceitos higiênicos de então concebiam a cidade como lugar que deveria ser livre de doenças e de desorganização, com saúde garantida por obras de saneamento que excluiriam tudo que significasse doença, física ou social.
Apenas quatorze anos depois, o Engenheiro Saturnino de Brito foi contratado para dar início a um projeto de saneamento geral para Campos, marcado pela racionalidade técnica e econômica e provocando ‘uma nova leitura da cidade como organismo vivo em crescimento e como objeto de intervenção’, o que representava uma preocupação política e social de alguns campistas.
Consideramos, ademais, que a localização de uma escola secundária do porte do Liceu – equiparado ao Colégio Pedro II em 1901 e único do tipo no interior do Estado durante o fechamento do Liceu de Niterói – num prédio aristocrático foi um marco na urbanização da cidade de Campos, pois se constituiu em símbolo do ‘moderno’ em área da cidade distante da Câmara, da Matriz de São Salvador e do grande comércio.
Em relatório do Diretor do Liceu e da Escola Normal ao Secretário do Interior, encontrado recentemente, são descritas adaptações necessárias para o bom funcionamento das escolas: “... as dependências térreas do prédio do Lyceu formam um grande quadrado com uma área central onde vão ser as portas e janellas destas aulas. Estas dependências foram transformadas em onze espaçosas salas, satisfazendo a todas as condições hygienicas... Dá ingresso aos alumnos para a Escola Normal o grande portão do lado esquerdo contiguo ao corpo central do edifício do Lyceu, em cujo pavimento inferior estão as salas de espera das alumnas, a da toilette e uma outra onde estão installadasduas latrinas do systema ‘Unitas’, observadas no seu assentamento todas as condições exigidas pela hygiene. As escolas de applicação são também servidas por duas latrinas do mesmo systema.”
A política de valorização do ensino secundário possibilitou a expansão das matrículas e fez necessária a construção de um prédio anexo, do lado esquerdo do Solar, na década de 1960. Esse prédio, que em nada respeitou o elegante estilo neoclássico da antiga residência do Barão da Lagoa Dourada, foi denominado “Pavilhão João Tavares da Hora”, em homenagem ao estimado professor e diretor do Liceu.
Em meados da década de 1990 uma nova política estadual foi aventada: ocupar o Solar como um Centro Cultural ligado à Secretaria Estadual de Cultura. Foi iniciada, então, uma ampla restauração do edifício, ao mesmo tempo em que outro anexo, o “Pavilhão Yvan Senra Pessanha”, homenagem a um ex-aluno, era construído na parte dos fundos, à direita.
Os en(cantos) do Solar - o Salão Nobre, a Escadaria, o Mirante, a Sala de Jantar retomaram as funções primeiras. São admirados pelos visitantes como elementos de um rico casarão.
A mudança da função de prédio, de solar familiar a instituição educativa, é uma característica que não pode ser negligenciada, principalmente porque é um vestígio das políticas educacionais da época. Ainda, essa mudança de função de prédio não se constituiu em fato isolado na cidade, tendo os antigos casarões da época do Império se transformado para albergar novos ocupantes e usos nos limiares do século XX: o Solar do Visconde de Araruama tornou-se Câmara Municipal e o Solar do Comendador Paraíba, o Hotel Gaspar. Mudança esta que não estava desvinculada das transformações pelas quais atravessava a sociedade brasileira, decorrentes de um novo projeto modernizador.
São palavras de Coelho Neto representativas, elas mesmas, do significado da mudança da função do prédio e da mudança da sociedade:“É a mais grata impressão que levo do estabelecimento, solar de um antigo senhor, hoje seminário fecundo. Depois de semeador da terra, o semeador das almas. Prefiro a última lavoura.”

Para quem estudou no LICEU nunca se denomina ex-liceísta. São todos eternamente liceístas. Com orgulho desmedido por ter passado por estes bancos escolares, de lembranças maravilhosas e de construção do futuro. O LICEU é o colégio estadual mais procurado pelos pais, em toda região norte do Estado do Rio de Janeiro, que desejam que seus filhos sejam liceístas.